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CARGOS DE GERENCIA E DE CONFIANÇA -RISCOS QUANTO AS HORAS EXTRAS

  • Foto do escritor: Lucio Mesquita
    Lucio Mesquita
  • 4 de dez. de 2020
  • 5 min de leitura


Um dos pedidos mais comuns nas reclamações trabalhistas, se não o mais comum de todos, para os cargos de gerência, como cargos de supervisor de vendas, supervisor de manutenção ou gerentes de setor, é o pedido de pagamento de horas extras. Isto evidentemente decorre do fato destes cargos serem de maior responsabilidade, sujeitos aos imprevistos, metas e projetos que demandam realização de trabalho extraordinário bem como da ausência de pagamento de horas extras com fundamento no artigo 62 da CLT e falta de exigência da anotação em cartão de ponto ou ponto eletrônico.


O artigo 62 do diploma citado, conjuntamente com seu inciso II e parágrafo único prevê que:


Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I - ...

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.


Neste texto não pretendo dizer qual seria a melhor interpretação sobre o texto, mas tentar expor quais são os riscos da ausência de controle escrito da jornada (cartão de ponto) e ausência de pagamento das horas extras.


O cargo de confiança previsto no inciso II do artigo 62 da CLT, tem por pressuposto a remuneração diferenciada, bem como o exercício de poderes efetivos de mando, destacando os dizeres do Des. Davi Furtado Meirelles: “Para o enquadramento do empregado na hipótese a que refere o art. 62, inciso II, da CLT, se faz necessário que o empregado venha a exercer verdadeiros encargos de gestão, isto é, substitui o empregador no âmbito da tomada de decisões essenciais ao negócio...". (TRT2 RO 1001404-30.2019.5.02.0032 ). Também explana a Des. Regina Aparecida Duarte: “Os empregados que exercem cargos de gestão têm contratos regidos pelo art. 62, II, da CLT (LGL\1943\5), encontram-se no topo da hierarquia da empresa e detêm poderes de representação e decisão, sem a fiscalização imediata de seu trabalho. Devem receber gratificação de função superior a 40% do salário efetivo, não têm a jornada controlada e estão excluídos do regime de labor em sobrejornada e relativo ao trabalho noturno....”(TRT2, RO RO 1002046-32.2017.5.02.0433).


Emprestamos ainda a citação constante do RO n. 1001668-93.2018.5.02.0028, Des Susete Barbosa de Azevedo:


“Consigne-se, por oportuno, o que leciona a Doutrinadora Vólia Bomfim Cassar quanto ao tema em epígrafe:

"Todo o contrato é lastreado no princípio da boa fé que decorre da fidúcia inerente aos contratantes. O contrato de trabalho também é regido por este princípio e a todos os empregados é dispensada uma certa confiança, pois não se contrata quem se suspeita ser ímprobo. Todavia, não é este tipo de confiança que trataremos, pois geral a todos os contratos, mas sim daquela de maior relevo que distingue os empregados entre si.

(...)

A confiança preconizada no artigo 62, II, da CLT é aquela que é depositada no empregado que exerce, por delegação, algum poder típico do empregador, se confundindo com ele em alguns atos, similar àquela conceituada no artigo 1.172 do Código Civil .

O principal poder do empregador é o de gerir a empresa com autonomia, bem como o de disciplinar seus empregados. Desta forma, aquele empregado que tiver como função a de gestão da empresa, do setor ou filial, com total autonomia é um alto empregado incluído no artigo 62 da CLT e, portanto, excluído do Capítulo em estudo". (in Cassar; Vólia Bomfim. Direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. - 6. ed. - Niterói: Impetus, 2012, pag. 698)

Na mesma obra continua a I. professora a lecionar sobre os empregados enquadrados no art. 62, II da CLT (página 700):

"Pertencem ao segundo grupo os empregados de confiança que podem exercer as mesmas atribuições acima descritas, mas com poderes mais amplos ou irrestritos para alguns atos. Normalmente podem exercê-los sem fiscalização, sem limites, d forma autônoma, substituindo o próprio empregador. Mesmo quando necessitam de autorização, esta é concedida sem critério fiscalizador, já que decorre da confiança. Estes trabalhadores são caracterizados como altos empregados, por se confundirem com o próprio empregador, face à amplitude de seus poderes. Um único ato destes empregados poderá colocar em risco não só a atividade do empregador, mas a sua própria existência. Este é o diferenciador entre o "gerente" e o "gerentão". Só os altos empregados caracterizados no "grupo 2" colocam em perigo a atividade empresarial, pouco importando objetivamente quais as suas atribuições específicas, pois com um ato, poderá colocar em risco o empreendimento".

Importa consignar que o fato de receber o laborista remuneração superior à dos demais empregados e de possuir subordinados, por si só, não induz ao enquadramento no art. 62, II da CLT, que, na verdade, requer a análise concreta das reais atribuições exercidas.”



Ou seja, tanto as decisões citadas, como os diversos textos doutrinários, trazem uma característica comum, qual seja a posição de substituto do próprio empregador, com poderes de gestão e mando que possam influenciar os negócios e o resultado da empresa.

Como a discussão a respeito do exercício ou não do cargo de gestão do artigo 62, quando posta em juízo, envolve o debate sobre as características das funções e poderes efetivos do empregado, são frequentemente debatidos os poderes de realizar despesas, admitir empregados, demitir empregados, conceder promoções, contratar terceiros, ter poderes de representação como procurador perante órgãos públicos, bancos, Poder Judiciário, etc.


Realmente, a exigência de amplos poderes para prática de atos de gestão da empresa, de uma filial ou departamento, faz limitar o cargo de confiança debatido àqueles gerentes de estabelecimento, como gerentes de restaurante, gerentes gerais bancários, gerentes de filial. Somente haveria de se admitir gerentes de setores como cargo de confiança aqueles que trabalham em grandes empresas, como multinacionais e sociedades anônimas, com milhares de empregados, onde existem departamentos independentes e gestores completamente autônomos, com os poderes já citados de gestão de orçamentos e de pessoal.


Neste sentido, citamos o comentário de Homero Batista ao artigo 62 (CLT Comentada): “Portanto, para que se aperfeiçoe o enquadramento no art. 62, II, é preciso que a confiança esteja em grau máximo. Para evitar qualquer desentendimento, melhor seria que, ao se referir ao art. 62, II, utilizássemos expressões diferentes como “cargo de confiança máxima” ou “cargo" de gestão superior”, evitando malbaratar o vocábulo confiança.


Importante ainda observar que o cargo de confiança é incompatível com qualquer forma de controle de jornada do empregado ou qualquer ajuste ou cobrança sobre o seu horário de trabalho. Eventual prova em juízo deste fato, que chega a ser feita inclusive mediante controles de entrada e saída de estacionamento, pode excluir a aplicação do art. 62 e implicar no pagamento de horas extras.



Desta forma, é patente da existência de um risco quanto ao futuro pagamento de horas extras ao empregado que se entende como exercente de “cargo de confiança”, mas que não atende aos requisitos legais.


Ainda que exerça cargo superior, como chefe de um setor, gerente de marketing, gerente de RH, gerente financeiro, etc., em caso de dúvida quanto ao preenchimento dos requisitos legais, recomendamos que seja desde logo contratado mediante o estabelecimento de jornada e obrigação de registro de horário de trabalho em cartão de ponto.


Há de se lembrar que a experiência prática demonstra a existência de ações frequentes, propostas inclusive por cargos de diretoria, pleiteando valores expressivos a título de horas extras, sendo que em todos os processos, se constata um risco altíssimo, agravado pelo fato da empresa não possuir qualquer tipo de cartão de ponto ou espelho de ponto eletrônico como contraprova à jornada alegada.


Lucio Mesquita

OAB/SP 138.294

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