COMPLIANCE E A RECUPERAÇÃO DE DANOS CAUSADOS POR EMPREGADOS
- Lucio Mesquita
- 28 de mar. de 2021
- 4 min de leitura
"Pessoalmente, entendo que especialmente em casos de assédio moral e assédio sexual, a responsabilização pessoal do empregado é extremamente importante, pois as regras empresariais de compliance, através da elaboração de códigos de conduta, códigos de ética, manuais de procedimentos, advertências etc., perderiam sua eficácia se, no final das contas, o colaborador puder agir da forma que bem entender, sem receio de ser pessoalmente responsabilizado pelos seus atos."
Em matéria do dia 26 de junho, o jornal Valor Econômico noticia que empresas ingressam com ações contra antigos empregados, visando recuperar prejuízos decorrentes de ações de indenização por danos morais, com fundamento em assédio moral e sexual. Neste artigo busco discutir quais os motivos da baixa utilização deste recurso, apesar de não se tratar de qualquer inovação no mundo jurídico.
O direito de regresso não é nenhuma novidade. É de longa data reconhecido e decorre da simples regra consistente no direito à indenização contra o culpado principal pelo prejuízo. Apesar de antiga a responsabilidade do empregador pelos atos de seus empregados, já estando evidente desde o Código Civil de 1916 (artigo 1521, inciso III)(A responsabilidade do empregador ganhou maior evidência desde a revolução industrial, porém, já era reconhecida desde o Direito Romano, como se pode, por exemplo, verificar na tese de doutorado de Edson K. Natata Junior, disponível em https://teses.usp.br/), ela não é a natural, mas uma construção pelo fato de seu empregado atuar como seu representante ou comandado. Ao admitir um empregado ou preposto (termo genérico que pode designar todo aquele que presta serviços por conta de outrem), a empresa ou empregador assume os riscos da atividade e a responsabilidade pela atividade do empregado ou preposto. Mas permanece, de qualquer forma, a responsabilidade natural e direta daquele que causou o dano, ou seja, aquela pessoa física que agiu com culpa, por ato de negligência, imprudência ou imperícia.
Se o empregador deve pagar pelos danos causados pelo seu empregado, ele sofreu um dano por ato de terceiro e naturalmente possui o direito de buscar a reparação contra o efetivo causador do prejuízo. Evidentemente que deve neste caso ser comprovada a culpa direta do empregado, não sendo possível se obter tal reparação caso, por exemplo, o dano causado pelo empregado decorra de falha nas ferramentas fornecidas pelo empregador, falta de treinamento ou exaustão do empregado por jornadas longas e acima do legalmente permitido. Constatada a culpa do empregado, o empregador responsabilizado por sua culpa in eligendo ou in vigilando, pode buscar contra o responsável, em ação regressiva, a recuperação do valor pago.
Neste aspecto, há de se ressaltar a importância das instruções e treinamentos, devidamente documentados, fornecidos ao empregado, que podem ser utilizadas como prova do erro que causou o dano, decorrente do descumprimento de obrigação quanto a correção nos procedimentos. Em certas situações complexas e atividades técnicas, somente se poderá alegar a falha por parte do empregado caso demonstrada a ciência deste sobre o procedimento correto que deveria seguir. Este é uma das razões para as atuais práticas empresariais de compliance, cuja importância principal é a prevenção, reputação e solidez na atividade empresarial, mas também figura como importante instrumento para a responsabilização individual dos colaboradores.
A busca da reparação pelo empregador pode ser feita de duas formas. Em uma ação autônoma, que pode ser proposta durante a ação principal ou após a condenação ao pagamento dos danos, ou através de um instrumento processual chamado “denunciação da lide”. Este deve ser exercido conjuntamente com a defesa apresentada, consistindo no chamamento do empregado ao processo para que, caso condenada a empresa, seja ele automaticamente responsabilizado pelos danos causados e executado no mesmo processo. Ao receber a denunciação da lide, o juiz determinará a citação do empregado para que passe a fazer parte do processo, possa apresentar sua defesa e contribuir com o esclarecimento dos fatos. Entendo que desta forma o empregado, que passará a ser chamado de “denunciado”, terá o interesse de apresentar sua versão dos fatos e colaborar com a defesa no processo, evitando sua responsabilização pessoal.
O Jornal Valor econômico (26/03/2021), citando o DataLayer como fonte, acusa a existência de 6,9 mil processos com fundamento no direito de regresso, somando R$826 milhões de reais, o que é uma quantidade ínfima, considerando que para cada indenização paga por uma empresa, há um responsável direto pelo ato praticado que em tese pode ser também processado. Cita algumas decisões do TST e outras instâncias do judiciário trabalhista como exemplo da condenação de empregados, mas traz relatos de advogados sobre a resistência dos clientes em ingressar com tais ações, conforme citado acima.
Em minha experiência profissional, com mais de 25 anos de atuação na área trabalhista, apesar de recomendado por várias vezes, nunca tive autorizado o ingresso de tais ações de regresso. Isto porque algumas razões práticas têm impedido o exercício do direito de ação pela empresa contra os empregados. Primeiro, no receio de desagradar o empregado que em muitos casos continua prestando serviços ao empregador. Acredita-se que o empregado descontente, por sentimento de vingança, pode causar danos muito maiores do que o já experimentado. Também temos a possibilidade do empregado usar em sua defesa outros argumentos que reforçarão a responsabilidade e dificultarão a defesa do empregador, como reconhecer o dano apontando outros responsáveis ou atribuindo a causa do fato às condições de trabalho desfavoráveis. O empregado também pode, mesmo tendo causado um dano, ingressar com ação trabalhista visando o pagamento de outras verbas, como horas extras, diferenças salariais, insalubridade etc. Por fim, temos que muitos empregadores entendem tratar-se de esforço desnecessário e contraprodutivo, pois a maioria dos empregados não possui receita suficiente para acumular qualquer patrimônio capaz de pagar eventuais prejuízos.
Pessoalmente, entendo que especialmente em casos de assédio moral e assédio sexual, a responsabilização pessoal do empregado é extremamente importante, pois as regras empresariais de compliance, através da elaboração de códigos de conduta, códigos de ética, manuais de procedimentos, advertências etc., perderiam sua eficácia se, no final das contas, o colaborador puder agir da forma que bem entender, sem receio de ser pessoalmente responsabilizado pelos seus atos.
Lucio Mesquita - OAB/SP 138.294 - Graduado pela Universidade de São Paulo, com cursos de especialização em Direito do Trabalho, Compliance, Processo Civil e certificação pela EXIN como DPO.
‘Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
Comments