CONSEQUÊNCIAS DA PRISÃO CRIMINAL SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO.
- Lucio Mesquita
- 26 de set. de 2020
- 9 min de leitura

Para a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, é necessário não somente a condenação transitada em julgado, mas também que a pena privativa de liberdade impeça a prestação dos serviços, salvo se o fato criminoso caracteriza por si só a aplicação de outras hipóteses do art. 482 da CLT que não a sua letra “d”.
O fato do empregado ser preso pode gerar para o empregador uma situação de impasse. Descartada a louvável conduta de vários empregadores que aguardam o retorno do empregado, após a sua defesa e absolvição, ou mesmo após o proferimento de sentença criminal condenatória, muitos empregadores são impelidos a rescindir o contrato de trabalho, em virtude da inegável necessidade de contratar outro trabalhador para substituir o empregado preso.
Evidentemente que a rescisão contratual sem justa causa, com pagamento das verbas rescisórias não gera maiores problemas. A questão mais recorrente, entretanto, é a possibilidade de rescisão contratual por justa causa, nos termos da letra “d”, do artigo 482, da CLT.
O contrato de trabalho é bilateral e sinalagmático, ou seja, a obrigação de uma das partes corresponde à obrigação de outra. O empregador deve pagar o salário na data de vencimento e o empregado deve prestar os serviços, na forma e dias contratados. É óbvio que as obrigações são muito mais complexas, pois para o empregador existe o dever de pagar todos os encargos (13º salário, férias, FGTS, vale-transporte, insalubridade, horas extras, obrigações sindicais, etc...) e para o empregado, não somente o trabalho, mas o dever de subordinação, habitualidade, pontualidade, uso de equipamentos de proteção, respeito ao regulamento de empresa etc...
Desta forma, se o trabalho é interrompido, somente subsiste para o empregador o dever de pagar salários e demais benefícios caso a situação esteja prevista em lei. Evidentemente que, caso o empregado simplesmente deixe de comparecer, não são devidos salários pela ausência e o contrato pode ser rescindido por abandono de emprego ou desídia. Porém, por exemplo, caso falte por razões de saúde, a lei garante a remuneração pela ausência justificada, com o pagamento dos primeiros 15 dias pelo empregador e os demais pela Previdência Social, como o benefício securitário de auxílio-doença. Outras situações existem e mesmo as regulamentadas legalmente geram dúvidas, por exemplo, quanto aos benefícios de cesta básica e seguro desemprego. Neste sentido é que a ausência por prisão gera ainda mais dúvidas.
Não há norma que obrigue o empregador a pagar salários ou demais benefícios ao empregado preso. Também desconheço que alguma categoria sindical tenha celebrado qualquer acordo neste sentido. Mas caso a prisão se prolongue no tempo, surge a necessidade de contratar um substituto bem como o interesse na demissão do empregado preso. Neste sentido, o artigo 482, letra “d” da CLT permite a demissão por justa causa do empregado condenado com sentença transitada em julgado. Entretanto, enquanto não houver decisão ou penderem recursos, o que pode ser feito?
Consta do site do TST notícia sobre o AIRR-1681-42.2012.5.15.0066, onde foi mantida a dispensa por justa causa antes do trânsito em julgado de sentença condenatória criminal, pelo fato do empregado encontrar-se preso (http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/mantida-justa-causa-de-empregado-demitido-enquanto-estava-preso). O empregado foi processado por roubo sem relação com o trabalho. Após dois anos de prisão, foi encaminhada carta pela empresa informando sua dispensa por justa causa, mesmo estando pendente seu recurso contra a condenação em primeira instância, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença criminal. A justa causa foi mantida em todas as instâncias, considerando-se que a rescisão contratual em 16/6/2011, não produziu efeitos imediatos, mas foi consolidada pelo do trânsito em julgado da sentença criminal, que ocorreu em 10/10/2012.
É tão peculiar a situação, que transcrevemos trecho do Acórdão proferido pelo TRT da 15ª Região:
“In casu, a despeito da rescisão contratual ter ocorrido antes da sentença penal condenatória ter transitado em julgado, o fato é que desde a prisão em flagrante do reclamante, operada em 15/12/2009, o contrato de trabalho já se encontrava suspenso, de sorte que a rescisão antecipada promovida pela empresa em 16/06/2011 careceu de eficácia imediata.
Todavia, com o trânsito em julgado ocorrido em 10/10/2012, a dissolução contratual tornou-se eficaz, pelo que consolidou-se a rescisão por justo motivo nos termos em que previsto na alínea ‘d’ do art. 482 da CLT.
Assim sendo, consoante o entendimento do C. TST alhures exposto, é de rigor a manutenção do decisum de origem, ainda que por fundamento diverso, no que diz respeito a validação da rescisão contratual por justa causa e improcedência da pretensão obreira de reversão para a modalidade dispensa sem justo motivo, com os consectários daí decorrentes .”
A decisão proferida pelo TST neste mesmo Processo (1681-42.2012.5.15.0066), esclarece que: “A previsão contida no art. 482, “d”, da CLT deve ser interpretada como uma hipótese próxima da suspensão do contrato de trabalho, pois a prisão meramente provisória não extingue o contrato, embora inviabilize seu adimplemento pelo empregado. Como consequência, ocorre aqui a suspensão do pacto empregatício (art. 472, “caput”, e §1º, combinado com art. 483, §1º, “ab initio”, da CLT). Logo, a denúncia do contrato de trabalho ocorrida em 2011 carece de eficácia, não gerando, por isso mesmo, nenhum efeito jurídico, quer para o reclamante, quer para a reclamada. Assim, e considerando-se que o trânsito em julgado da decisão criminal condenatória se deu em 2012, legítima se tornou a dispensa motivada do reclamante, nos termos do contido na alínea “d” do art. 482 da CLT.” (Ministra Sueli Gil El Rafihi, 10/12/2014)
Trata-se de uma decisão que realmente causa estranheza, pois considera que o ato em 2011 não valeu, não produziu efeitos, mas, com o trânsito em julgado em 2012, passou a valer. Ora, e se o empregado fosse absolvido em segunda instância? Haveria de se converter a demissão por justa causa em demissão injusta? Quanto ao pagamento das verbas, qual seria a data a ser considerada como prazo, para fins de apuração da multa do art. 477 da CLT (prazo de 10 dias para pagar a rescisão contratual)? E qual seria a data de rescisão contratual?
O entendimento referido na decisão comentada acima parece que gera grande incerteza jurídica.
Melhor esclarecimento sobre qual o destino do empregado preso consta do Acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Processo 980-21.2011.5.10.0013), que esclarece:
“De acordo com o disposto no art. 482, alínea ‘d’, da CLT, é considerado justo motivo para a rescisão contratual a condenação criminal do empregado por decisão transitada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena.
Assim, para ser configurada a rescisão por justa causa por condenação criminal, devem ser observados dois requisitos: sentença condenatória transitada em julgado e inexistência de suspensão de execução da pena sursis.
Caso o empregado tenha a prisão decretada, sem que a decisão condenatória tenha transitado em julgado, o contrato de trabalho será considerado suspenso para todos os efeitos legais, por impossibilidade de sua execução, não sendo permitido ao empregador rescindir o contrato por justa causa no período compreendido entre a prisão e o trânsito em julgado da decisão.
A mera prisão do empregado não caracteriza justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho, conforme se extrai do princípio da presunção de inocência, basilar do Estado de Direito e garantia processual penal, previsto no inciso LVII, art. 5º, da Constituição Federal, o qual dispõe que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’.
Entretanto, sobrevindo condenação criminal transitada em julgado em pena privativa de liberdade, sem suspensão condicional da pena, poderá o empregador resolver o contrato de trabalho por justa causa, com fulcro na alínea “d”, do art. 482, da CLT.
Na opinião de Antonio Lamarca:
‘Não se trata de falta, do ponto de vista trabalhista, pois o empregado não viola cláusula contratual nem dever jurídico imposto por norma de direito do trabalho, mas sim de causa legalmente prevista para que o empregador resolva o contrato pela impossibilidade de sua execução (LAMARCA, Antônio. Manual das justas causas. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,1977, p. 404).
Ressalte-se que a condenação criminal transitada em julgado não constitui, por si só, justa causa para a resolução contratual, mas sim a execução da pena privativa de liberdade, que impossibilita fisicamente a prestação pessoal dos serviços, obstando assim a manutenção do vínculo empregatício.
Ademais, Alice Monteiro de Barros esclarece que se a pena não for privativa de liberdade e o delito tiver sido praticado fora do ambiente laboral, sem qualquer repercussão no seu âmbito ou conexão que afete a relação empregatícia, não poderá o empregado ser dispensado por justa causa. ‘É que aspectos da sua vida privada são irrelevantes, salvo quando refletirem negativamente na empresa, não sendo permitido ao empregador editar normas de conduta’ (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 859).” (Relator José Leone Cordeiro Leite).
Interposto Recurso de Revista e Agravo de Instrumento ao TST, o recurso teve seu provimento negado pelo Ministro Mauricio Godinho Delgado, que de forma clara reitera o entendimento do Tribunal Regional com relação as consequências da prisão do empregado sobre o seu contrato de trabalho:
"Acrescente-se às razões expendidas, no tocante ao tema “justa causa”, que o tipo legal delineado no art. 482, “d”, da CLT deve ser lido em conjugação com uma hipótese próxima de suspensão do contrato de trabalho: é que a prisão meramente provisória não extingue o contrato, embora inviabilize seu adimplemento pelo empregado; em consequência, ocorre aqui a suspensão do pacto empregatício (art. 472, caput, e § 1º, combinado com art. 483, § 1º, ab initio, CLT).
Entretanto, se se trata de pena privativa de liberdade, resultante de sentença transitada em julgado, que inviabilize o cumprimento do contrato pelo empregado, a lei exime o empregador de qualquer ônus quanto à continuidade da relação de emprego: resolve-se o contrato por culpa do obreiro, que, afinal, é o responsável pelo não cumprimento do próprio pacto.
Note-se que o ilícito penal cometido pode não ter qualquer relação com o contrato de emprego; isso não elimina a incidência do art. 482, “d”, da CLT. Contudo, tratando-se de crime vinculado ao contrato ou ambiente laborativo, a absolvição do trabalhador, no processo penal, por falta de provas, por exemplo, não inviabiliza o reconhecimento da justa causa no âmbito trabalhista. Apenas a absolvição criminal por negativa de autoria é que vincula, sem dúvida, o Juízo Trabalhista."
Ou seja, conclui-se que o empregado preso tem seu contrato de trabalho suspenso nos termos do citado artigo 472, caput e parágrafo primeiro, combinado com o parágrafo primeiro do artigo 483, abaixo transcritos:
Art. 472 - O afastamento do empregado em virtude das exigências do serviço militar, ou de outro encargo público, não constituirá motivo para alteração ou rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador.
§ 1º - Para que o empregado tenha direito a voltar a exercer o cargo do qual se afastou em virtude de exigências do serviço militar ou de encargo público, é indispensável que notifique o empregador dessa intenção, por telegrama ou carta registrada, dentro do prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data em que se verificar a respectiva baixa ou a terminação do encargo a que estava obrigado.
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
...
§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.
De se ressaltar que não basta a condenação criminal do empregado para que se justifique a rescisão contratual por justa causa, mas esta também deve tornar impossível o trabalho, devendo haver pena privativa de liberdade, conforme entendimento constante do Acórdão do TRT da 20ª Região:
“Ocorre que "A condenação criminal do empregado, mencionada no artigo em epígrafe, torna-se uma justa causa para a rescisão do contrato de trabalho quando cria a impossibilidade material do cumprimento do que se ajustou(..)". (Saad, Eduardo Gabriel. Consolidação das leis do Trabalho: comentada / Eduardo Gabriel Saad. - 42 ed. atual., e rev. e ampl. Por José Eduardo Duarte Saad, Ana Maria Saad Castello Branco. - São Paulo: Ltr, 2009).
No caso dos autos, como bem discorreu a Sentenciante, não houve aplicação de pena privativa de liberdade à Demandante, mas sim pena restritiva de direitos com prestação de serviços comunitários.
Deste modo, a condenação penal não inviabilizou o cumprimento do contrato pela empregada, nem impediu a continuidade da prestação laboral, não sendo, pois, motivo para a rescisão motivada do contrato de trabalho por culpa da Laborista.” (RO 0002073-93.2013.5.20.0005, Relator Carlos de Menezes Faro Filho)
Por fim, independentemente do trâmite de eventual processo penal ou até mesmo da provocação da autoridade policial, a prática de crime contra o empregador pode justificar a rescisão contratual de acordo com os outros tipos legais constantes do artigo 482 da CLT, como o previsto na letra “a” (ato de improbidade, abrangendo os crimes contra o patrimônio) ou letras “j” e “k” (crimes contra a honra e contra a pessoa). Estes fatos justificam a imediata rescisão contratual bem como podem ser comprovados diretamente pelo empregador, caso questionada a justa causa perante a Justiça do Trabalho.
Assim, de se concluir que, para a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, é necessário não somente a condenação transitada em julgado, mas também que a pena privativa de liberdade impeça a prestação dos serviços, salvo se o fato criminoso caracteriza por si só a aplicação de outras hipóteses do art. 482 da CLT, que não a sua letra “d”.
Lucio Mesquita
OAB/SP 138.294
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