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PANDEMIA DA COVID E ESTABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

  • Foto do escritor: Lucio Mesquita
    Lucio Mesquita
  • 28 de jan. de 2022
  • 4 min de leitura

A permanência ou não da estabilidade do empregado com deficiência PcD ainda é motivo de controvérsia perante a Justiça do Trabalho, considerando a divergência de interpretação apresentada por alguns juízes do trabalho.

A decisão tomada pela 4ª Vara do Trabalho de Manaus, que em 30/07/2021 entendeu pela prorrogação da estabilidade da pessoa com deficiência, com fundamento em uma interpretação extensiva, tomando em conjunto princípios do Direito do Trabalho e outras normas que estabeleceram a proteção ao emprego durante a pandemia. Sustenta ainda que a proteção ao emprego deve permanecer, pois de fato a pandemia e a situação de calamidade ainda não terminou. Entretanto, como veremos, seu entendimento é minoria.

O Juiz do Trabalho Jair Francisco Deste, titular da 30ª Vara do Trabalho de São Paulo, explica em sua sentença (Processo n. 1000694-45.2021.5.02.0030), onde julgou um pedido de reintegração em virtude de uma demissão ocorrida em 9/02/2021, que a garantia provisória prevista no artigo 17, da Lei n. 14.020/2020, faz referência ao artigo 1º da mesma lei.

Em sua redação, o artigo 1º, da Lei n. 14.020/20, faz referência ao estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020. Entendeu o Juiz que o estado de calamidade pública foi reconhecido somente até 31 de dezembro de 2020, não tendo havido prorrogação dos seus efeitos ou promulgação de novo Decreto Legislativo estendendo o estado de calamidade pública. Portanto, a reclamante, demitida em 9/2/2021 já não gozava da estabilidade prevista na lei especial.

No mesmo capítulo de sua sentença, também entende o Juiz titular da 30ª Vara, que a obrigação prevista no parágrafo primeiro, do artigo 93, da Lei n. 8.213/91, não implica em estabilidade no emprego individual para a empregada, baseando seu entendimento em precedentes do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região. Entendeu também que no caso julgado não houve dispensa discriminatória, não havendo violação à proibição da Lei n. 9.029/1995.

Nos autos do Processo n. 1000312-49.2021.5.02.0710, a Juíza Titular da 10ª Vara de São Paulo, Zona Sul, Dra. Luciana Carla Correa Bertocco, também firma entendimento pelo término da estabilidade prevista no art. 17,V, da Lei n. 14.020/2020 em 31/12/2020.

Em recente decisão, a Juíza do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Cubatão, Adalgisa Lins Dornellas, nos autos do Processo n. 1000171-46.2021.5.02.0252 (sentença publicada em 21/1/2022), apesar de conceder a reintegração com fundamento no artigo 93, da Lei n. 8.213/91 (cumprimento da cota de portadores de deficiência), esclarece que a estabilidade do artigo 17, V, da Lei n. 14.020/20, possui vigência limitada à 31.12.2020, não tendo o empregado demitido em 18.02.2021 direito a estabilidade sob este último argumento. Esta juíza também esclarece que a Medida Liminar deferida no bojo da ADI n. 6.625, pelo Ministro Ricardo Lewandowski restringe-se às medidas sanitárias e não pode ser interpretada no sentido de incluir as garantias provisórias de emprego.

No mesmo sentido temos também a sentença proferida pela Juíza Patricia Almeida Ramos, titular da 69ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos do Processo n. 1000455-21.2021.5.02.0069 (publicada em 02/12/2021), que não reconhece a estabilidade após o término da vigência da norma em 31.12.2020.

Com relação a segunda instância, é interessante o Acórdão proferido nos autos do Recurso Ordinário em Procedimento Sumaríssimo, Processo n. 1000113-98-2021.5.02.0072, 12ª Turma do TRT2, Relator Marcelo Freire Gonçalves, que reconhece a estabilidade do empregado portador de deficiência, limitando a indenização até 31/12/2020, confirmando a indenização dos salários somente até esta data.

Da mesma forma, no Acórdão em Embargos de Declaração, nos autos do Processo n. 1000469-12.2021.5.02.0002, proferido pela Relatora Damia Avoli, da 16ª Turma do TRT2, também reconhece o término em 31/12/2020 da estabilidade deferida pela Lei n. 14.020/2020, ressaltando que: “Sublinha-se que a duração do estado de calamidade pública associado à pandemia da Covid-19 não pode ser considerada ficticiamente estendida caso a caso, ao arbítrio do julgador, quando a normatização federal da matéria adotou marco temporal explícito a esse respeito. Procedimento diverso implicaria desrespeito ao próprio princípio da legalidade.”

Tendo em vista os precedentes citados acima, não concordamos com a Sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Manaus, nos autos do Processo n. 0000221-08.2021.5.11.0004, amplamente divulgada (por exemplo, site de notícias “JOTA”), que entende ser possível ampliar o período de estabilidade em comento para além do final de 2020. Referida sentença foi reformada em segunda instância pelo Tribunal Regional do Trabalho, esclarecendo que: “7. As disposições da Lei nº 14.020/2020 estão todas vinculadas à vigência do estado de calamidade disposto no DL nº 6/2020. Prorrogar, sem respaldo legislativo, as disposições de qualquer um de seus artigos importaria em criação de obrigações à revelia de amparo legal, incorrendo em violação ao disposto no art. 5º, II, da CF/88. O dispositivo legal invocado pelo reclamante trata de situação excepcional, a qual, por sua natureza, não pode ser prorrogada infinitamente. 8. A Constituição Federal protege o empregado contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa. Essa proteção se materializa na condenação do empregador a pagar multa fundiária, além de concessão de aviso prévio e verbas rescisórias. Ao empregador é vedado dispensar o trabalhador investido de estabilidade provisória, por força de norma constitucional e legal. O Poder Público vedou, excepcionalmente, a dispensa de empregado PcD, porém, apenas durante a vigência do DL nº 6/2020. Expirado seu prazo, sem renovação, não se vislumbra ilegalidade na dispensa operada.”

Assim, entendemos que:

  1. O período de estabilidade previsto no artigo 17, da Lei n. 14.020/2020 não mais se encontra em vigor após 31/12/2020.

  2. Caso a empresa pretenda demitir o empregado com deficiência, que faz parte da cota prevista no artigo 93, da Lei n. 8.213/91, recomenda-se que tenha a cautela de munir-se de provas sobre o preenchimento da cota legal ou da contratação de outro empregado portador de deficiência em sua substituição.

  3. Algumas ações ainda se fundamentam em alegações sobre a natureza discriminatória da dispensa, sendo interessante documentar o motivo da dispensa, como reformulação do setor, corte de gastos, problemas de relacionamento ou indisciplina do empregado demitido, evitando a reintegração com fundamento na Lei n. 9.029/95 (dispensa discriminatória).


Lucio Mesquita – advogado, graduado pela Universidade de São Paulo em 1994, especialista em Direito do Trabalho, Compliance e Privacidade de Dados.

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